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Roberto Nasser: o lendário jornalista que amava os carros


Numa fria madrugada de agosto, decolamos de Brasília (DF) num jato da Copa Air rumo à Califórnia para a chamada ´Semana Santa´ dos apaixonados por carros antigos. Íamos, mais uma vez, eu e Roberto Nasser, em busca das raridades espetaculares no melhor evento do ramo: o ´Pebble Beach Concours d´Elegance´, sensacional mostra sempre ocorrida em Carmel, Estados Unidos. Minutos antes de embarcar, me disse com ar cômico, franzindo a testa teatralmente: – “Camarada, somos elegantes e merecemos a classe executiva!” Rimos e lá fomos ao balcão tentar fazer o ´up-grade´. Ele sacou o seu poderoso cartão de crédito, elevando o conforto da nossa viagem e me brindando com a cara cortesia. A rota passou pelo Panamá, Miami, Los Angeles, chegando finalmente a Monterey. Muitas horas de ótimas conversas com histórias dos bastidores do Distrito Federal e mais algumas passagens pessoais, que iam de confidências familiares aos corredores dos Fóruns da sua época como (brilhante) advogado. Vinho na taça e boas gargalhadas céu adentro! O velho Nasser era um espetáculo formado por um homem só.

Na primeira foto acima, o grande Roberto Nasser ao lado de uma geringonça que encontramos numa fazenda em Bariloche, Argentina, durante o lançamento da picape VW Amarok em 2010. Aqui, da esquerda para a direita, os jornalistas Tarcísio Dias, Fábio Amorim, Fernando Siqueira e o próprio

Nesta quinta-feira, dia 8 de novembro de 2018, o mestre José Roberto Nasser, jornalista e “antigomobilista” (termo que conseguiu incorporar ao dicionário Houaiss), desligou a casa de máquinas e partiu pra outro plano. Não conseguiu concluir a sua coluna semanal, que traria como foco as principais novidades do 30º Salão do Automóvel de São Paulo. Faleceu em casa, vítima de mais um infarto. Quatro impactos coronarianos foram necessários para tirar-lhe a vida: o primeiro aos 28 anos, o segundo aos 46, mais um aos 55 e, por fim, este fatal aos 72 anos completados no último dia 9 de julho. Roberto Nasser nasceu no Rio de Janeiro em 1946.

Os amigos Roberto Nasser (esq) e Fernando Siqueira num outro evento na Argentina, dessa vez na longínqua cidade de Jujuy

Minha amizade com esse ilustre cidadão brasileiro começou em 2003, mas a admiração era mais antiga, já como leitor da sua famosa coluna ´De carro por aí´, iniciada no final da década de ´60 e por mim acompanhada, mais ou menos, desde 1985. Por intermédio do saudoso ´O Jornal´ (periódico alagoano já descontinuado), consegui uma viagem para – finalmente – ir conhecer o lendário autor da coluna automotiva mais incisiva que o Brasil já teve até hoje. Bem recebido, conduzi a entrevista que rendeu cinco páginas. Nela, estava despejada a paixão de Roberto Nasser pelos carros antigos, todos bem guardados no Museu Nacional do Automóvel, instituição fundada e dirigida por ele em Brasília. Ficamos amigos na hora! Para quem não sabe, foi ele o criador da “Placa Preta”, um atestado de originalidade para veículos antigos, amuleto sempre desejado por qualquer colecionador.

Aqui estou com o mestre Nasser no autódromo de Laguna Seca (Califórnia/EUA) aprendendo sobre os detalhes do bólido Shelby Cobra

Nasser foi um vencedor na vida: conquistou por méritos próprios a sua independência, seu lugar ao sol. Advogou com competência e, degrau por degrau, atingiu o pico da carreira com louvor. O ex-menino carioca de origem simples, chegou a gerir – com decência – todo o orçamento da União, ocupando um dos mais altos postos no Governo Federal brasileiro. Por sorte, desfrutei da sua fiel amizade. No início da minha carreira como jornalista do setor automotivo, tive muitas portas abertas por ele. Me ensinou como agir, com quem falar e a quem recorrer num ambiente muitas vezes hostil e sempre cheio de concorrência. Ele simplesmente me mostrou caminhos e novas possibilidades de crescer e tentar ganhar espaço. Sua generosidade me ajudou a entender a necessidade de ampliar a leitura sobre os automóveis e acompanhar de perto as evoluções da indústria. Me dizia: – “Para entender as máquinas atuais é preciso dar uma olhada na invenção da roda…”, e assim tornou-se o melhor conselheiro que alguém pode ter, com dicas preciosas, incondicionalmente doadas sobre a profissão e a vida.

Roberto Nasser faz uma uma pausa em Pebble Beach, lendo uma revista automotiva

Em inúmeros lançamentos de carros novos, ainda acompanhei as tradicionais e longas coletivas de imprensa (hoje em extinção) com direito às incômodas ´perguntas e respostas´ no final. Seu humor sarcástico era um show à parte, com questionamentos sempre intrigantes a deixar muitos executivos de montadoras de queixo caído e… sem respostas. Aos amigos verdadeiros, sua eterna elegância e bons conselhos, e aos não tão próximos, apenas a sua fina educação. Era um sujeito leve e culto: falava baixo, elogiava a beleza das mulheres e tirava sarro com Deus e o mundo! Um ´bon vivant´ de fino trato…

Momento do vinho em Brasília: Nasser ao centro com sua esposa Vera, com quem viveu 39 anos. Abaixo, no Museu Nacional do Automóvel, local aonde guardava as suas raridades motorizadas

Numa das viagens a Pebble Beach, participando do ´tour´ dedicado apenas aos jornalistas credenciados, num movimento prévio à mostra, vi Roberto Nasser corrigir, com toda humildade, os juízes da exposição mais importante do mundo sobre carros antigos. Aqueles norte-americanos altos, de rostos avermelhados pelo sol californiano e vestidos, como ele mesmo dizia brincando, “de caneta Parker 51” (blazer bege e calça azul-marinho), se entreolharam, trocaram ideias e aceitaram a correção. Nasser sorriu e me falou baixinho: – “Essa vale um champagne por minha conta…”.


No final do nosso percurso, respingam das sobras existenciais algumas boas lembranças, os arranhões inevitáveis a qualquer um e as tais perdas e ganhos na vida. É a balança sócio-biológica que jamais mantém-se 100% equilibrada. Na bandeirada final, ao soar do gongo, somente as pessoas notáveis conseguem imprimir a sua marca no mundo, só os mais aguerridos são capazes de transformar o talento nato em prestígio e dinheiro. Roberto Nasser conseguiu tudo isso e foi além: cultivou grandes amigos, inventou moda com eventos automotivos inéditos e fez da sua vida um intervalo produtivo. Concluo essa homenagem com uma frase sua: – “Paz, velho amigo…” (Texto: Fábio Amorim / Fotos: acervo Agência FBA)